O princípio da Solidariedade Sem Terra e as recentes chuvas no Rio Grande do Sul
Por Martha Raquel
Da Página do MST
La caridad es humillante porque se ejerce verticalmente y desde arriba;
la solidaridad es horizontal e implica respeto mutuo”
[A caridade é humilhante porque se exerce verticalmente e de cima;
A solidariedade é horizontal e implica respeito mútuo]Eduardo Galeano
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra lançou, nesta semana, a Campanha de Solidariedade Sem Terra ao Rio Grande do Sul para auxiliar as mais de 1,3 milhão de pessoas afetadas pelas fortes chuvas e enchentes no estado. Através do site de arrecadação Apoie.se e de doações via Pix, mais de 90 mil reais já foram arrecadados (veja ao final do texto como doar). Para além das doações em dinheiro, o Movimento também converteu o Galpão Elza Soares e a Casa dos Movimentos Carlito Maia, ambos no bairro Campos Elíseos, em São Paulo, em pontos de arrecadação de roupas, produtos de higiene, medicamentos e alimentos não perecíveis.
“Nosso povo amado do Rio Grande sofreu com essa grande chuva que ocorreu nesse último final de semana e que destruiu as nossas áreas de assentamentos, nossas cooperativas, nossas plantações e, acima de tudo, o sonho do povo de produzir alimentos saudáveis que nós estávamos tornando realidade agora. Diante disso, estamos nos envolvendo numa grande campanha de arrecadação de alimentos, de medicamentos, de materiais, de limpeza, de higiene pessoal, de agasalho para que nós possamos enviar pros nossos lares e para toda a sociedade gaúcha que passa por essa situação de calamidade”, explicou João Paulo Rodrigues, da Coordenação Nacional do MST.
“Peço a cada um e a cada uma de vocês que nos ajude. Traga a sua doação para os pontos de arrecadação em São Paulo. Nós vamos fechar um caminhão de produtos e de agasalho já neste próximo final de semana para enviar para o povo gaúcho“, finalizou.
As cerca de 300 famílias Sem Terra do assentamento do IRGA, onde fica a sede da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), em Eldorado do Sul, estão sendo resgatadas. O salvamento começou sendo feito pelos próprios assentados e agora só pode ser seguido pelo Exército e Defesa Civil.
As famílias estão sendo levadas para assentamentos na região onde a água não chegou nas casas. Com a perda da estrutura das casas, móveis, lembranças, e produção de arroz e hortas agroecológicas – que muitos camponeses e camponesas já haviam replantado após a enchente do final do ano passado – as famílias seguem em abrigos coletivos nesse período.
Os assentamentos de Nova Santa Rita, Viamão e Tapes também tiveram perdas nas suas produções. Em São Gabriel, Hulha Negra, Jóia e Região Centro, regiões do interior, a água também está cobrindo as estradas e as lavouras.
Em Viamão, o assentamento Filhos de Sepé montou uma Cozinha Solidária e está produzindo cerca de 1.500 marmitas para os desabrigados da chuva. Como o transporte na região está completamente comprometido, a comida está sendo levada para Eldorado do Sul e São Leopoldo de helicóptero numa parceria do MST e da Defesa Civil.
Diego Severo, assentado em Viamão e técnico em agropecuária com habilitação em ecologia formado pelo MST, hoje atua como Direção Estadual do Movimento do estado e compõe o Grupo Gestor do Arroz Orgânico e ressalta que a criação da Cozinha Popular surgiu da urgência de produzir comida num ambiente em que não há estrutura para cozinhar e alimentar os desabrigados.
Estamos com uma equipe de 20 pessoas focadas na produção de marmitas para enviar para quem não tem estrutura para preparar o próprio alimento. Há também uma equipe de 5 pessoas articulando a chegada dos insumos, logística e transporte para que a comida chegue até essas famílias que precisam de apoio”, explica.
Os alimentos utilizados no preparo das marmitas vem de doações, tanto de famílias assentadas da Reforma Agrária Popular, quanto da sociedade em geral, e das doações em dinheiro recebidas através das campanhas de solidariedade. Diego destaca que é importante que as pessoas continuem doando alimentos não perecíveis nos próximos dias, já que a cozinha não trabalha com estoque para os próximos dias. “O cenário é desolador, catastrófico, não sabemos quando tudo isso irá passar e até lá precisamos conseguir manter e estabelecer condições para essas famílias desabrigadas até que elas possam voltar para suas casas e começar a reconstruir a vida”.
Para ampliar essa ajuda, o Armazém do Campo de Pelotas se converteu nesta quarta-feira (08) em outra Cozinha Solidária para a distribuição de marmitas para os desabrigados das enchentes.
A mobilização nacional do MST tem como foco destinar apoio às famílias atingidas nos diversos municípios gaúchos. Entre elas estão cerca de 420 famílias do próprio MST que tiveram de sair às pressas de suas casas. A força das águas deixou submersos cinco assentamentos do Movimento na Região Metropolitana de Porto Alegre.
Conforme o último boletim divulgado pela Defesa Civil, na manhã da última terça-feira (7), o estado registrou até o momento 90 mortes devido às enchentes. Outros quatro óbitos estão sob investigação. Há 132 pessoas desaparecidas e o número de pessoas feridas chega a 361.
Solidariedade Sem Terra
A campanha do MST, organizada às pressas para que a ajuda chegue o quanto antes para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, não encontrou dificuldades para ser construída. O MST, que completou 40 anos de existência em 2024, também carrega 40 anos de atuação nas trincheiras e de solidariedade com os povos do mundo. Como valor que guia a atuação política e social dos militantes do Movimento, a Solidariedade se expressa em todas Frentes de Atuação. Uma das frases que dá sentido à prática dos Sem Terra diz que “Solidariedade não é dividir o que nos sobra, mas o que temos, mesmo que seja pouco e nos faça falta também”.
Lição aprendida com o Povo Cubano, o MST vê a solidariedade como um princípio que deve ser praticado diariamente. Companheirismo, amizade e afetividade são algumas das expressões mais genuínas nas relações entre povos e sua prática nos enriquece enquanto sociedade. É preciso compreender que a luta não se faz com uma só pessoa ou um só povo, e que somente avançaremos através da união e da solidariedade.
Garantir a dignidade humana do povo é uma meta que o Movimento Sem Terra não abre mão e, por isso, já são 40 décadas de ações de solidariedade.
Relembre alguma das iniciativas lançadas pelo Movimento neste último período:
- A região Sul da Bahia sofreu com fortes chuvas no final de 2021 e pelo menos 700 mil pessoas foram afetadas pelas enchentes. Segundo o Movimento, durante as enchentes foram doadas mais de 120 toneladas de alimentos, aproximadamente 13.465 de marmitas e 17 mil cestas básicas. Além disso, a Brigada Nacional de Médicos atendeu mais de 1.000 pessoas. Por conta disso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra recebeu o prêmio Imprensa de Itamarajú pela atuação em prol da garantia da dignidade de vida e esperança às vítimas da enchente.
Em fevereiro de 2022, dona Ione Miranda foi uma das atingidas pelas enchentes voltaram a acontecer em Itamaraju, na Bahia. A moradora do bairro Beira Rio perdeu tudo com as fortes chuvas e encontrou um rastro de esperança ao conhecer os militantes voluntários do MST no estado. “Fiquei noites sem dormir, sem acreditar no que aconteceu. Quando caiu a ficha que eu não tinha uma mesa para tomar café, uma cama para dormir e fogão para preparar alimentação foi um choque. Eu presenciei, pela primeira vez, a veracidade da força e a violência da água, nunca imaginei vivenciar isso em minha vida. Mas também eu vi as pessoas se levantando e nascendo, pessoas de todos os lugares para nos ajudarem. Encontrei pessoas da militância do MST, que nos visitaram, disponibilizaram o celular e se colocaram à disposição. Eles nos ajudaram muito”, declarou.
- No mesmo ano, uma forte onda de chuvas atingiu também o estado de Pernambuco e deixou quase 10 mil pessoas desabrigadas. A organização do Movimento no estado ergueu, logo nos primeiros dias, quatro cozinhas da Campanha Mãos Solidárias junto a outros movimentos sociais para atender os atingidos. Somente na primeira semana foram distribuídas mais de 20 mil refeições.
- Alagoas também foi vítima das fortes chuvas. Em 2022, o MST organizou a Cozinha da Solidariedade para distribuir refeições às famílias atingidas pelas chuvas em Maceió (AL). Montada na Casa do Congresso do Povo, a cozinha do MST mobilizou uma série de voluntários em Maceió para além da distribuição de refeições, também entregar de kits de higiene e roupas aos moradores da região.
No ano seguinte as chuvas castigaram mais uma vez. Em 2023, o MST colocou assentamentos e acampamentos à disposição para acolher famílias atingidas pelas chuvas no estado. De acordo com a Defesa Civil, as fortes chuvas de julho deixaram mais de 10 mil pessoas desabrigadas desde a capital até o interior do estado. Inúmeras as roças com produção de alimentos perdidas pelas fortes chuvas, além do isolamento de comunidades que, sem estradas adequadas, ficaram ilhadas pelas chuvas, causando uma série de consequências aos camponeses e camponesas na produção, riscos à saúde e segurança, como é o caso dos assentamentos e acampamentos de Atalaia.
- Este ano, o MST iniciou 2024 realizando a doação de alimentos para famílias desabrigadas pelas chuvas no Ceará. Foram 7 toneladas de frutas e 5 mil litros de leite destinados a 150 famílias no município de Santa Quitéria. Banana, mamão, batata-doce e abóbora estavam entre os alimentos destinados às famílias.
Poucos meses depois da catástrofe no estado nordestino, o Movimento foca esforços na região Sul do país. Dos 497 municípios, 388 foram impactados pelas chuvas e quase 50 mil pessoas estão acolhidas em abrigos.
Saiba como doar para o Rio Grande do Sul
O apoio para as mais de 155 mil pessoas que estão desalojadas, nos mais de 388 municípios que foram impactados pelas fortes chuvas, é crucial. Para contribuir com a campanha de solidariedade do MST, basta clicar aqui ou fazer uma doação para os seguintes dados bancários:
PIX: 09352141000148
Banco: 350
Agência: 3001
Conta: 30253-8
CNPJ: 09.352.141/0001-48
Nome: Instituto Brasileiro de Solidariedade
Em São Paulo, o MST recebe doações nos locais:
ARMAZÉM DO CAMPO – Alameda Nothmann, 806, Campos Elíseos
GALPÃO CULTURAL ELZA SOARES – Alameda Eduardo Prado, 474, Campos Elíseos
*Editado por Fernanda Alcântara